quinta-feira, 22 de abril de 2010

Simplicidade



"Pede-se a uma criança: Desenhe uma flor!
Dá-se-lhe papel e lápis.
A criança vai sentar-se no outro canto da sala onde não há mais ninguém.
Passado algum tempo o papel está cheio de linhas.
Umas numa direcção, outras noutras; umas mais carregadas, outras mais leves; umas mais fáceis, outras mais custosas.
A criança quis tanta força em certas linhas que o papel quase que não resistiu.
Outras eram tão delicadas, que apenas o peso do lápis já era de mais.
Depois a criança vem mostrar essas linhas às pessoas: uma flor!
As pessoas não acham parecidas estas linhas com as de uma flor!
Contudo, a palavra flor andou por dentro da criança, da cabeça para o coração e do coração para a cabeça, à procura das linhas com que se faz uma flor, e a criança pôs no papel algumas dessas linhas, ou todas (...)"

Almada Negreiros

1 comentário:

  1. Excelente o Almada é o meu favorito:
    Almada Negreiros tinha mundo. Foi uma das figuras marcantes da geração modernista de Orpheu. Tinha um espírito contestatário e uma insubordinação intelectual raros. A sua excentricidade alimentou espantosas polémicas. As controvérsias surgiam da sua riqueza, da sua diversidade intelectual, da imaginação e da sua inquietude. “É a figura do excesso”. Muitas das suas obras transportam-nos para uma atmosfera de sátira e ironia. “Ele era da geração de Picasso, que admirava muito. São os primeiros que põem de lado todas as convenções, que acham que a arte pertence a outro mundo. Até 1919 os artistas eram rebeldes mas sem pôr em causa algumas formas burguesas de adequação e comportamento.”
    Almada Negreiros nasceu em S. Tomé e Príncipe, filho do tenente de cavalaria António Lobo de Almada Negreiros, administrador do concelho de S. Tomé, e de Elvira Sobral. Foi educado no Colégio de Campolide, dos Jesuítas, e mais tarde, devido à extinção do Colégio, em 1910, no Liceu de Coimbra. É o homem do traço, o homem do risco. É o nosso possível Picasso. E não minimizo o Almada dizendo isto. A multiplicidade picassiana é um pouco o universo do Almada”, diz Raquel Henriques da Silva.

    Em 1913 realiza a primeira exposição individual: apresenta cerca de 90 desenhos na Escola Internacional. Colabora no primeiro número da revista “Orpheu”.
    São seus contemporâneos: Amadeo de Souza Cardoso ou Santa-Rita Pintor”, afirma Raquel Henriques da Silva. “Mas ele é uma das figuras mais extraordinárias de um dos momentos mais cosmopolitas da história de Portugal.”
    De facto, em 1910, a chamada geração de Orpheu juntava na Brasileira do Chiado nomes como Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro, Santa-Rita Pintor, Almada Negreiros… “Foi um momento extraordinário.
    Uma das principais marcas de Almada Negreiros é ter sido um artista multidisciplinar. Foi uma das figuras mais amplas da cultura portuguesa do século XX. Num interessante texto de António Ferro é referido que Almada Negreiros não foi capaz de escolher nenhuma das artes - as artes é que o escolheram todas a ele. “Foi uma das pessoas que mais profundamente se dedicou à arte”, diz o historiador Vítor Pavão dos Santos. “Não é tanto como artista plástico que o Almada me interessa, mas como figura global da cultura”, afirma, por sua vez, Delfim Sardo, professor universitário e ensaísta. “O grande relevo do seu trabalho está na maneira como se inseriu no movimento moderno e na maneira quase bombista como escreveu os primeiros textos.”

    “Os olhinhos dele pareciam umas pintas no meio de uns globos enormes. Tinham um olhar absolutamente fora do comum, o Almada”…

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